A construção foi erguida no Mirante do Pasmado, em Botafogo
Memorial fica no Mirante Pasmado - Fernando Frazão/Agência Brasil |
Agência Brasil
O Memorial do Holocausto, um novo espaço museológico na
cidade do Rio de Janeiro, está abrindo hoje (19) suas portas para o público. Na
exposição permanente, os visitantes podem ampliar conhecimentos sobre os
acontecimentos que marcaram a história e ter acesso a relatos de vida dos
sobreviventes.
A construção do Memorial do Holocausto no Rio começou a ser
idealizada há mais de 30 anos pelo ex-vereador e ex-deputado estadual Gerson
Bergher, já falecido. Um concurso organizado no final de década de 1990 pelo
departamento fluminense do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB-RJ) teve como
vencedor o projeto do arquiteto e urbanista Andre Orioli. Mas a proposta só
saiu do papel mais recentemente.
Em construção desde o início de 2019, o memorial foi erguido
no Mirante do Pasmado, em Botafogo. O local foi definido junto à prefeitura do
Rio que deu apoio ao projeto e cedeu o uso do terreno em 2018. A obra é de
responsabilidade da Associação Cultural Memorial do Holocausto e contou com o
patrocínio de empresas privadas. O Consulado da Alemanha também é parceiro da
iniciativa. Em 2020, houve a inauguração da área externa que abriga um
monumento de quase 20 metros de altura, dividido em dez partes, representando
os Dez Mandamentos. Em sua base, foi escrita a frase: "Não matarás".
Com a abertura das instalações da área expositiva, as
visitas já podem ocorrer semanalmente de quinta-feira a domingo, a partir de
10h. A última entrada deve ocorrer às 17h. O acesso é gratuito, mas há um
controle de fluxo e é necessário retirar ingresso antes por meio da plataforma
Sympla.
Também é possível agendar visitas guiadas em grupo, através
do programa educativo do memorial. Haverá ainda estímulo para excursões de
estudantes das redes pública e privada. "Nosso objetivo aqui no memorial é
educar e transmitir valores. E fazer isso mantendo viva a memória, mostrando
para as novas gerações que isso existiu. Porque amanhã, num futuro próximo, as
pessoas podem começar a achar que foi um filme de ficção. Manter preservada a
memória é a única maneira de não se repetir um holocausto nazista com o passar
dos anos", diz Alberto Klein, presidente da Associação Cultural Memorial
do Holocausto.
Construção do Memorial do Holocausto no Rio começou a ser idealizada há mais de 30 anos - Fernando Frazão/Agência Brasil |
Ele disse que espaços como esse ajudam a sociedade a se preparar para coibir certos tipos de manifestação. "Discurso de ódio não é liberdade de expressão. Defender o extermínio de um grupo não é liberdade de expressão. É racismo e aqui na lei brasileira é crime".
O holocausto foi o assassinato em massa de milhões de judeus
e de integrantes de outros grupos populacionais minoritários durante a Segunda
Guerra Mundial. É considerado o maior genocídio do Século XX. Conduzido através
de um programa sistemático de extermínio colocado em prática pelo Estado
nazista liderado por Adolf Hitler, ocorreu na Alemanha e nos demais países
ocupados pelos alemães durante a guerra. Monumentos em todo o mundo buscam
preservar sua memória para que não seja esquecido nem repetido.
De acordo com Alfredo Tolmasquim, que coordenou o grupo
curatorial formado por quatro pessoas, há diversas formas de provocar reflexões
sobre o holocausto. Ele lembra que há memoriais em diferentes países ressaltam,
por exemplo, a resistência armada ou o massacre nos campos de concentração. No
Rio, o foco central recai sobre a história de vida dos sobreviventes. "Ao
invés de falarmos de uma história de milhões, queremos contar milhões de
histórias", afirma.
Percurso
Ao visitar o interior da edificação, o público se depara
inicialmente com um telão que apresenta rostos e citações de sobreviventes sobre
o valor da vida. A partir daí, há um percurso dividido em três módulos. Cada um
deles retrata um período cronológico. No primeiro, antes do holocausto, há
informações sobre como era a vida das famílias antes da implantação do Estado
nazista. Também há imagens da época, coloridas com auxílio de inteligência
artificial, que revelam momentos do dia a dia nas escolas, nos locais de
trabalho, nos bairros, além de festas, casamentos, encontros, etc.
A iluminação vai se escurecendo até a chegada do segundo módulo,
que retrata o período do holocausto. A partir daí, as fotos ficam sem cor. São
apresentadas informações sobre ações de discriminação até a deportação e o
extermínio, revelando a luta das pessoas pela sobrevivência. Finalmente, no
terceiro módulo, a reconstrução da vida após o holocausto se torna o foco
principal.
Foto: Fernando Frazão/ Agência Brasil |
"É importante falar desse período. Temos registros fotográficos das pessoas comemorando o fim da guerra. Mas imagina aquela pessoa que sai do campo de concentração, que perdeu a família, que não tem casa, que não tem trabalho, que não tem mais o vilarejo onde ela vivia. O que ela tem para comemorar? E essas pessoas conseguiram reconstruir suas vidas. Isso mostra a resiliência do ser humano. Mostra a nossa capacidade de recomeçar e de nos reconstruirmos por pior que tenha sido o que nós passamos. Mas também nos reconstruimos carregando os traumas e todas as consequências. Então podemos aprender muito quando olhamos para esse período após o holocausto", avalia Tomalsquim.
A tecnologia acompanha a experiência ao longo de todo o
percurso: é possível ouvir depoimentos, explorar um catálogo de sobreviventes,
ter acesso a histórias de pessoas que chegaram ao Brasil, navegar por um mapa
interativo que mostra os fluxos migratórios, etc.
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"Não pensamos a tecnologia num sentido lúdico, como por
exemplo ocorrem em algumas mostras científicas. Aqui não é essa a proposta. Mas
com o espaço que temos, se a gente fizesse uma exposição tradicional, teríamos
que limitar a quantidade de conteúdo. Aqui, se você quiser conhecer todas as
histórias, você vai gastar pelo menos seis horas. Há muitas camadas de
informação. Isso é uma coisa que a tecnologia nos permite", diz
Tomalsquim. Ele ressalta também que a linguagem tecnológica favorece a
aproximação com as gerações mais jovens, o que é essencial para a proposta do
memorial.
Outro ponto que o curador destaca é o olhar para todos os
povos perseguidos: judeus, negros, ciganos, pessoas com deficiência,
homossexuais, testemunhas de Jeová e maçons, além de comunistas e outros
opositores políticos do regime nazista. "A proposta curatorial busca
mostrar os efeitos que o preconceito, o racismo e a construção de estereótipos
causaram na vida de todas vítimas", reitera.
Segundo Tomalsquim houve uma forte preocupação da
curadoria com a transmissão de valores éticos e com a educação das novas
gerações para os direitos humanos. Ele considera que o memorial se constitui
como um local de reflexão sobre discriminações e perseguições contra vários
povos e grupos sociais, que continuam ocorrendo no Brasil e no mundo. Ao fim do
percurso, o visitante se depara com a frase: “O ódio e o preconceito permanecem
reais”.
Anexo ao espaço da exposição permanente, há uma varanda. No
local, haverá mostras temporárias com foco nos direitos humanos, de forma a
transportar o visitante para realidades atuais da sociedade. Tomalsquim mostra
que as instituições e os valores democráticos não são preservados
automaticamente e por isso precisam ser cultivados e protegidos.
"O holocausto se tornou um elemento da memória da
humanidade. Hoje é um elemento da memória mundial. Se tornou uma referência
para a sociedade de uma forma geral até para classificar ocorrências do mundo
atual. Mas é importante entender que o holocausto foi um acontecimento datado e
específico na nossa história. Por outro lado, há violações de direitos humanos
nos dias atuais que infelizmente dialogam com essa história. E daí a
importância de nos mantermos vigilantes. Porque o holocausto não aconteceu de
uma hora para outra. Os acontecimentos foram evoluindo gradativamente",
disse.