Planícies tendem a se recuperar mais rapidamente que região serrana
Imagem: Divulgação, via Agência Brasil |
“A gente tem visto peixes nadando pelas ruas de Porto
Alegre, peixes mortos nas ruas, inclusive espécies exóticas como a piranha, e
tilápias, que são muitas no Rio Guaíba”.
Roberto Reis explicou que nessa enchente, há dois panoramas
diferentes: “um é na serra, onde os rios recolhem água da chuva, vira uma
torrente fortíssima que arrasta cidades e a fauna também”. Neste cenário,
peixes e anfíbios são arrastados, tanto para fora do leito do rio, como rio
abaixo.
A outra fase dessa tragédia acontece nas planícies, onde
estão localizados municípios como Porto Alegre, Eldorado do Sul, Canoas, São
Leopoldo e por onde corre o Rio Guaíba.
“Os rios que descem da terra chegam no lago, que cresce, sai
das margens, ocupa a cidade, mas aí não tem aquela violência da serra, da
torrente que arrasta tudo. A fauna, que geralmente fica restrita ao leito do
lago, também se espalha”.
Reis estimou que quando o nível da água começar a baixar,
muitos animais ficarão presos em áreas não usuais como o centro da cidade e
campos de plantação: “quando a água baixar, muitos animais vão morrer, vão
ficar presos, especialmente peixes”.
Resiliência
O professor da PUC-RS afirmou, entretanto, que a recuperação
da fauna aquática não vai demorar muito, porque esses animais são muito resilientes.
Reis acredita que levará de um a dois anos para que a fauna aquática esteja
totalmente recuperada.
“Certamente, [a enchente] tem impacto grande, mas os
animais, em especial peixes e anfíbios, se reproduzem rapidamente e recolonizam
as áreas que foram afetadas. É difícil estimar quanto tempo pode levar essa
recuperação. Peixes pequenos se reproduzem mais rapidamente; peixes grandes vão
levar mais tempo, embora tenham uma capacidade de ficar mais no leito, na parte
mais profunda e não sair da parte principal do lago”.
O professor lembra outra consequência das cheias: a
introdução de espécies novas no ecossistema, como a piranha. Ele explica que
Rio Grande do Sul já tem registro de, pelo menos, dez espécies na bacia do
Guaíba que vieram do Uruguai, por causa de irrigação de lavouras de arroz.
Segundo ele, outros peixes que são cultivados em tanques no
estado a essa altura já se encontram no ambiente natural. “E como são peixes de
água doce, não vão sair para o mar”. Como exemplo ele cita a tilápia, carpas e
o bagre africano e americano.
Dinamismo
O coordenador do Laboratório de Biologia da Conservação do
Centro de Ecologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS),
professor Demétrio Luis Guadagnin, explica que as consequências das cheias para
a fauna e flora são muito particulares, já que as comunidades biológicas são
dinâmicas, adaptáveis e têm atributos
Ele esclareceu que os efeitos das enchentes para os seres
humanos são bem diversos dos que assolam as comunidades biológicas. Isso porque
as espécies as plantas e animais são mais dinâmicas, adaptáveis e têm atributos
que permitem que elas se ajustem a catástrofes. “Elas têm os atributos
necessários para se recuperar”, disse à Agência Brasil.
Guadagnin estabeleceu diferenças entre os efeitos das cheias
em áreas que tinham cobertura vegetal natural e as que já haviam passado por
alterações humanas, como as urbanas e as agrícolas. Há ainda áreas que estão na
parte serrana, nas calhas dos rios nos trechos de corredeira, além das
planícies.
Na região de planícies, a área afetada abriga espécies que
estão perfeitamente adaptadas às flutuações do nível d’água dos rios e vão se
recuperar rapidamente. “Tem uma descolonização do número de indivíduos, no caso
dos animais. No caso das plantas, tem muitas que foram arrancadas simplesmente,
mas são capazes de se reproduzirem, de crescer, a partir de raízes; elas têm
seus mecanismos de recolonização e dispersão e evoluíram nesse tipo de
condição”.
Na região serrana, segundo ele, é um pouco diferente. A
vegetação e a fauna são típicas das margens dos rios, área mais degradada
porque muitas ocupações humanas crescem à margem dos rios, há muitas lavouras.
“Justamente essa vegetação é bastante alterada. Ela também é
adaptável a esses eventos. Nos lugares onde foi mais degradada, a recuperação
vai ser mais lenta”. Guadagnin lembrou que nesses lugares a enchente foi
catastrófica, com rios subindo mais de 20 metros em alguns trechos e alcançando
áreas que não têm esse tipo de vegetação: “a recuperação vai ser mais lenta,
tanto da flora como da fauna, mas ela vai acontecer”.
Extinção
Para o professor, é preciso ter um olhar diferenciado para
as áreas já alteradas pela ação humana: “o rio tomou o que era seu”. Segundo
ele, se essas áreas forem abandonadas agora, a flora e a fauna vão recuperar
seu lugar. “É um fenômeno catastrófico para nós humanos, para a infraestrutura,
para as pessoas”.
No entanto, segundo ele, o prognóstico para plantas e
animais é pior para espécies que já tinham populações menores: “eventualmente,
isso [a extinção] pode acontecer no caso de algumas espécies que já estavam
ameaçadas ou com populações muito pequenas, com pouca capacidade de se
reproduzirem, de recolonizar. Nesses casos de espécies ameaçadas de extinção, a
gente pode ter problemas”, admitiu.
O especialista citou dois casos encontrados na região
serrana, na beira dos rios. Um deles é o sapinho-admirável-de-barriga-vermelha
(Melanophryniscus admirabilis), espécie de anfíbio encontrada apenas em um
trecho de 700 metros do rio Forqueta, no município de Arvorezinha (RS). O
sapinho é minúsculo, com cerca de quatro centímetros de comprimento.
Também no rio Taquari-Antas há várias espécies de peixes que
são endêmicas das cabeceiras, entre os quais os lambaris e não se sabe o que
vai acontecer com elas.
Citando a flora, o professor menciona a Callisthene
inundata, que ocorre em florestas ribeirinhas na bacia do Rio das Antas, no Rio
Grande do Sul. Essa espécie é a única da família Vochysiaceae conhecida no
estado e está criticamente ameaçada.
A família Vochysiaceae é comum na região amazônica. É
endêmica do leito do rio e está adaptada às cheias mas, como o Rio das Antas é
bastante alterado pela construção de várias barragens, ela não tem muitos
lugares para se recolonizar, porque muitos trechos já não estão mais adequados.
Mudança
Para o professor Demétrio Luís Guadagnin, não há como
precisar o tempo de recuperação da fauna de lagos e rios no estado depois dessa
tragédia climática. Ele acredita que, em termos de comunidade biológica, a
vegetação e a fauna da região de planícies poderá voltar a ter características
típicas em até uma década, já para a região serrana o cenário é pior: “na
região serrana, isso pode levar uma centena de anos”.
De acordo com Guadagnin o mundo está vivendo um contexto de
mudança climática, que vai afetar diretamente a fauna e flora gaúchas,
especialmente onde a recuperação é mais lenta.
“Digamos que daqui para a frente essa fauna e essa flora vão
estar permanentemente correndo atrás de um novo equilíbrio, que é capaz de
nunca se estabelecer. Porque antes dele se consolidar, as condições climáticas
do planeta já terão mudado de novo. A gente está em um período em que a palavra
agora não é mais equilíbrio. É mudança.”
Já na região de planícies, onde a flora e fauna têm uma
dinâmica muito acelerada e intensa, as espécies tendem a se restabelecer muito
rapidamente. Já nas regiões de florestas, nas encostas, na região serrana, onde
a dinâmica é mais lenta, a sucessão que vai acontecer vai ser, provavelmente,
em termos de trajetória nova e única, correndo atrás de um ambiente que está em
permanente mudança, concluiu o professor.