Comportamento predominante às vezes é de rio, outras vezes, de lago
Imagem: Divulgação/ Agência Brasil |
Até os anos de 1990, o Guaíba foi considerado rio. A partir
daí, passou a ser definido como lago. Oficialmente, a prefeitura de Porto
Alegre assumiu recentemente o Guaíba como lago. O executivo municipal criou,
inclusive, o Comitê da Bacia do Lago Guaíba.
Na avaliação do professor Joel Avruch Goldenfum, diretor do
Instituto de Pesquisas Hidráulicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFGRS), não existe consenso científico em torno da definição do Guaíba como
rio ou lago, porque o corpo hídrico tem comportamento dual. “As margens se
comportam bem como lago, principalmente envolvendo questões de recirculação,
baixa profundidade, sendo basicamente bidimensional, ou seja, não existe
direção predominante. O rio tem uma direção como se fosse uma linha. No lago, a
água fica girando”, afirmou em entrevista à Agência Brasil.
De acordo com Goldenfum, no meio do Guaíba passa um canal
grande, de onde vêm águas do Rio Jacuí, que drena 80 mil quilômetros quadrados,
ou um terço das águas do estado. “É muita água; então, tem uma corrente
importante. Por isso, pessoas argumentam que um lago pode ter um rio passando
por ali. Só que, muitas vezes, o comportamento é predominante como rio e,
outras vezes, pode ser predominante como um lago.”
Para o professor, em termos de modelagem, de variação de
níveis, de como o Guaíba enche ou esvazia, pouco importa se vão chamá-lo de
lago ou de rio. O que importa é modelar os processos. “Porque, na verdade, eu
vou modelar o sistema considerando todas as influências que ele tem,
considerando o que acontece quando ele sobe, onde ele recircula etc.” Goldenfum
ressaltou, contudo, que existem outras questões envolvidas que são mais de
questão legal e que mudam o problema.
Interpretações
De acordo com a legislação, se o Guaíba for um rio, tem que
ter um recuo não edificado muito grande que, dependendo do local, pode variar
de 100 a 500 metros. Ninguém tiraria o que já existe, mas não poderia edificar
novas construções. Se for considerado lago, a área não edificada varia entre 10
e 30 metros, dependendo das interpretações. “Existem interpretações distintas
sob o ponto de vista científico, sem se preocupar com a questão legal, e
pessoas que dizem que o Guaíba se comporta predominantemente como rio, ou
predominantemente como lago. “Quem chega primeiro dá o nome”, afirma o
professor.
Goldenfum lembrou que o nome dos biomas aquáticos é dado
pela população. “A população sempre chamou de Rrio Guaíba. De repente, houve
essa movimentação, que pode ter tido motivação técnica, no sentido de que o
Guaíba seria predominantemente lago, ou pode ter outras motivações”. O consenso
não existe, porque o Guaíba tem comportamento dual, reafirmou o professor. Por
outro lado, existe um movimento legal, capitaneado pela Associação Gaúcha de
Proteção ao Ambiente Natural e o Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais, para
que o Guaíba tenha uma faixa de proteção permanente. Há também uma ação civil
pública questionando a definição do Guaíba como lago. “Quem vai decidir isso,
no final das contas, vai ser a Justiça, e não a ciência”, disse Goldenfum.
Ciência
O coordenador-geral do Atlas Ambiental de Porto Alegre e
também da UFRGS, Rualdo Menegat, disse à Agência Brasil que a polêmica
geográfica em torno do Rio ou Lago Guaíba e da Lagoa ou Laguna dos Patos não se
justifica. Menegat afirmou que, do ponto de vista da ciência, o correto é Lago
Guaíba. “Não temos dúvida sobre isso. Mas há também o nome mais popular, que é
Rio Guaíba.”
Segundo o geólogo, nos últimos 20 anos, o nome Lago Guaíba
tem sido mais usado porque as pessoas foram se convencendo que ele, na verdade,
funciona como um lago. “Também é importante que as pessoas se conscientizem
pelo nome correto, porque aquilo que a gente joga em um lago fica ali. Aquilo
que se joga no rio, as pessoas pensam que é um problema do vizinho de baixo.”
Por isso, insistiu que do ponto de vista da gestão
ambiental, é importante que se usem conceitos corretos porque estes são os que
os professores vão ensinar na sala de aula. O Guaíba é definido como um lago
aberto que recebe água da rede fluvial, formada por quatro rios (Jacuí, dos
Sinos, Caí e Gravataí) que afluem para o Lago Guaíba, que, por sua vez, também
escoa essa água para a Laguna dos Patos. “Está conectado com ela.”
Atlântico
A Laguna dos Patos está conectada com o Oceano Atlântico.
“Por esta razão, por estar conectada com o Atlântico, é uma laguna, e não uma
lagoa. Isso se explica porque tanto escoa água para o Oceano Atlântico, como
também recebe água de lá. Existe uma interconexão. A água sai, mas também a
água salgada entra e saliniza as águas na região sul da laguna.”
O professor Rualdo Menegat informou que, na região costeira
do Rio Grande do Sul, há um complexo sistema de lagos e lagunas, que tem quatro
lagoas interconectadas: o Lago Guaíba, a Lagoa do Casamento, a Laguna dos Patos
e a Lagoa Mirim. Esse sistema de vasos comunicantes é interconectado, por sua
vez, com o Oceano Atlântico, por meio da Laguna dos Patos.
“Isso quer dizer que as lagoas estão no nível do mar. Isso é
importante porque, na medida em que o nível do mar sobe, impede a saída de água
da laguna. Já, na medida em que o nível do mar desce, permite a saída de águas
da laguna e, por conseguinte, de todo o sistema interconectado, que nós
chamamos mar de dentro, pela sua grandeza”.
Este é o maior sistema do tipo na América do Sul e um dos
maiores do mundo, destaca Menegat.
Confirmação
O professor Jaime Federici Gomes, do curso engenharia civil
da Escola Politécnica da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul,
explicou que laguna é um espaço que está em contato com o mar. Daí, Laguna dos
Patos. Lagoa é uma coisa isolada, de água doce. “Já laguna, não, tem contato
direto com o mar”, enfatizou, em entrevista à Agência Brasil.
Ao definir o que é um lago, Gomes disse que é quando este
tem características que não são totalmente unidimensionais. “Eu prefiro falar
Lago Guaíba. Ele tem uma zona central, que parece um rio, mas dos lados, no
corpo dele, apresenta escoamento bidimensional, com áreas de recirculação do
fluxo e zonas mais paradas.”
Segundo o professor, Rio Guaíba não é uma concepção
adequada, porque ele tem mais características de lago do que de rio, com
escoamento que tem circulação, acumulação e retenção de água.